Progresso social e rutura com o antigo regime 

Os primeiros códigos legislativos

Com a instauração da monarquia constitucional, cedo se constatou a necessidade de reunir numa única lei todas as disposições sobre uma determinada matéria, ou seja, um código, que estabelecesse claramente as ordenações do novo regime em oposição ao Antigo Regime. Sucessivamente, vão sendo publicados os primeiros códigos desta nova era.

Ainda nos Açores, em 1832, Mouzinho da Silveira, à data, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios de Justiça, apresenta a primeira reforma administrativa do liberalismo, que viria a ser aprovada pelo Decreto n.º 23, de 16 de maio de 1832. Não era ainda um verdadeiro código administrativo, mas estabelece as bases para as publicações futuras.

O primeiro código a ser sancionado pelo Rei, após aprovação das Cortes, é o Código Comercial (1833).  Será também o primeiro código a ser revisto. Na área da Justiça, são ainda publicados o Código Penal (1852), o Código Civil (1867) e o Código de Processo Civil (1876), o Código de Processo Comercial (1895) e o Código das Falências (1899).

Estes códigos têm maioritariamente como característica a sua longevidade, tendo-se alguns mantido em vigor por quase um século.

Complementarmente, é publicada legislação que, não originando um código, é da maior importância, como a reforma penal de 1867, que aboliu a pena de morte por crimes civis, ou o conjunto de diplomas relativos ao registo predial. Para a área da Justiça,
nomeadamente, o registo civil, são ainda relevantes as disposições do Código Administrativo (1836, 1842, 1870, 1878, 1886, 1895).

Neste caminho, destacam-se três ministros: António Seabra, Barjona de Freitas e Veiga Beirão.

Monarquia Constitucional: códigos publicados sob responsabilidade do Ministro e Secretário de Estado Negócios Eclesiásticos e de Justiça

Código Comercial

Aprovado por D. Pedro IV, pelo Decreto de 18 de setembro de 1833, é o primeiro código a ser redigido em Portugal.  José Ferreira Borges, político, economista e jurista português,   elaborou este projeto de código, que foi assinado pelo Ministro da Justiça José da Silva Carvalho. O código tem por finalidade regular os atos do comércio e facilitar a prática do princípio da liberdade comercial, determinando os direitos e obrigações dos comerciantes. Conforme o espírito da época, aplica-se aos negociantes de comissão e mercadores de grosso e retalho, aos banqueiros, aos fiadores e aos fabricantes ou gerentes de fábricas. Marca uma rutura com as disposições que se encontravam dispersas pelas instituições do anterior regime, nomeadamente, o “Tribunal da Junta do Comercio, Agricultura, Fábricas, e Navegação, do Conselho do Almirantado, do Juízo de India e Mina, e dos Ouvidorias da Alfandega”. 

O início da vigência do código data de 14 de janeiro de 1834 e, por Portaria de 24 de janeiro de 1834, viria a ser estabelecido em Lisboa o Tribunal Comercial de 1.ª e 2 instâncias, para serem regularizados os processos segundo o Decreto de 1833.

O código de 1833 virá a ser revisto por uma equipa liderada por Veiga Beirão, Ministro da Justiça, tendo sido aprovado um novo código por Carta de Lei de 28 de junho de 1888. Este novo código, elaborado em plena revolução industrial, assenta numa conceção individualista e liberal. 

Em 1899, será autonomizada a parte das falências, que dará origem a código específico.

O código de 1888 manter-se-á em vigor até 1986, altura em que é aprovado o Código das Sociedades Comerciais (Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro), apesar de manifestamente desatualizado e complementado por numerosos diplomas parcelares.

Código de Processo Comercial

Veiga Beirão, Ministro da Justiça, logo em 1888, nomeia uma comissão de jurisconsultos e comerciantes para a elaboração de um Código do Processo Comercial organizado em corpo distinto do Código Comercial. Como o relatório que acompanha o código começa por referenciar, “ (…) A reforma do processo comercial, que era necessária depois da do processo civil, tornou-se em verdade indispensável desde a publicação do (…) código comercial”.

Esta comissão apresentará um projeto, examinado e discutido em Conselho de Ministros e aprovado por decreto de 24 de janeiro de 1895.

O código de 1895 fixa a forma como os tribunais do comércio devem conhecer as causas da sua competência. Estabelece, ao lado do processo mercantil ordinário, processos especiais quando os casos pareçam tornar necessária uma pronta ação judicial, classificados em quatro secções  (emergentes do comércio geral, dos contratos especiais de comércio, do comércio marítimo ou de falências).

Pela Carta de Lei de 13 de maio de 1896 é publicado um novo código, assinado pelo Ministro António de Azevedo Castelo Branco, com poucas diferenças face ao de 1895 e mantendo em funcionamento a comissão de jurisconsultos e comerciantes, criada em 1888. Na Carta de Lei de 1896 é acrescentado um novo artigo que autoriza o governo a “estatuir o processo a seguir nos casos de fallencia, e outrosim a reorganizar os serviços dos tribunaes commerciaes nas cidades de Lisboa e Porto”. Por Decreto de 14 de dezembro de 1905, agora com Artur Pinto de Miranda Montenegro como Ministro, o Código de Processo Comercial seria novamente reformado. As relações comerciais com o estrangeiro são aqui evidenciadas.

Em 1939, as disposições do Código de Processo Comercial viriam a ser integradas no Código de Processo Civil (Decreto-Lei n.º 29.637, de 28 de maio de 1839).

Código das Falências

O Decreto de 26 de julho de 1899, assinado pelo Ministro José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral, aprova o primeiro Código das Falências. As falências faziam parte de uma secção do Código Comercial, mas, com o objetivo de reorganizar e aperfeiçoar esta área legislativa em conformidade com o pensamento comercial da época, foi retirada para código específico.

Este código vigorará até 1935, e, em 1939, as suas disposições, tal como as do Código de Processo Comercial, virão a ser integradas no Código de Processo Civil (Decreto-Lei n.º 29.637, de 28 de maio).

Veiga Beirão

Veiga Beirão

Ministro dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, por duas vezes nos anos de 1886-1890 e 1897-1898, governos chefiados por José Luciano de Castro, então líder do Partido Progressista. Autor do projeto do Código Comercial aprovado no Parlamento em 1888. A ele se devem as diligências para a criação de um código do processo comercial e a aprovação do código penal de 1886.
Quer o código comercial, quer o penal vigorarão quase 100 anos.

Código de Processo Comercial

Código Penal

O Decreto de 10 de dezembro de 1852, do Ministro Rodrigo da Fonseca Magalhães, substitui a antiga legislação criminal e reúne num único código todas as disposições da área criminal. O código encontra-se dividido em duas partes: a primeira parte relativa às regras gerais, que dominam todas as matérias do código; a segunda parte relativa à parte criminal mais específica, referente a acusações, punições e penas correspondentes.

Neste âmbito, são ainda de realçar alguns diplomas que, não tendo a forma de códigos, influenciam esta matéria e são cruciais para a Justiça.  Destaca-se a Lei aprovada a 1 de julho de 1867, que unifica a legislação penal, a chamada Reforma Penal de Barjona de Freitas que, entre outras inovações, aboliu a pena de morte por crimes comuns.

Em 1884, Sampaio e Melo propõe às Cortes uma nova reforma penal que revê substancialmente as disposições do Código Penal de 1852 e que fica conhecida como Reforma Penal de Sampaio e Melo. Esta reforma abole todas as penas de prisão perpétua, de expulsão definitiva do Reino, de trabalhos públicos e de perda de direitos políticos e de exílio.

O Decreto de 16 de setembro de 1886, assinado por Francisco António da Veiga Beirão, vem reformular o Código Penal de 1852. Foi um dos códigos que em Portugal esteve durante mais tempo em vigor, só sendo substituído pelo Código Penal de 1982, apesar da multiplicidade de diplomas avulsos entretanto publicados.

Código Civil

O primeiro Código Civil em Portugal, redigido por António Luís de Seabra e Sousa, é aprovado por Carta de Lei de 1 de julho de 1867, com Barjona de Freitas como Ministro da Justiça. Reúne e atualiza toda a legislação civil. 

Tendo em vista a revisão e melhoria deste código, é formada uma comissão de juristas para receber contributos dos tribunais e de outros jurisconsultos, durante cinco anos, e apresentar ao governo propostas de alteração.

Este código apenas será revogado pelo Código Civil de 1966, que entra em vigor em 1967, mantendo-se em aplicação em Goa até finais da década de 1990.

Código de Processo Civil

O Código de Processo Civil, apresentado por Barjona de Freitas, é aprovado em 8 de novembro de 1876, por Carta de Lei, dada no Paço da Ajuda, que sanciona o decreto das cortes gerais de 1 de abril de 1876. Revoga toda a legislação anterior sobre o processo civil.

A Comissão criada em 1867 para a elaboração do Código de Processo Civil, por disposição deste código, fica encarregada de receber todas as representações, relatórios dos tribunais e quaisquer observações que possam contribuir para o melhoramento do mesmo e para solução das dificuldades que possam dar-se na sua execução. Esta comissão fica ainda responsável por propor ao governo quaisquer providências que para o indicado fim lhe pareçam necessárias ou convenientes.

Este código apenas será substituído com a aprovação do Código de Processo Civil de 1939. 

Código Administrativo

O Código Administrativo, da competência do Ministério do Interior, reveste-se de primordial importância para a Justiça, na medida em que estabelece a organização administrativa do reino.

Assim, o primeiro Código Administrativo é aprovado em 31 de dezembro de 1836.

Inspirado nas reformas iniciais de Mouzinho da Silveira, divide o território em Províncias, Comarcas e Concelhos. A Província é administrada por um Prefeito, a Comarca por um Sub Prefeito e o Concelho por um Provedor (cargos desempenhados por magistrados). O Concelho tem várias freguesias e as Juntas de Paróquia são extintas. No que diz respeito à função registral da Justiça, estabelece que o Provedor Administrativo do Concelho efetua o registo civil da população.

Este será o código objeto do maior número de revisões: 1842, 1870, 1878, 1886 e novamente em 1895.

Em 1842, procede-se à primeira revisão do Código Administrativo, e, por Decreto de 18 março de 1842, é promulgado um novo código. O Reino passa a dividir-se em Distritos Administrativos e estes em Concelhos. Os Concelhos de Lisboa e Porto são divididos também em Bairros. Os Distritos são administrados por um Governador Civil, o Concelho por um Administrador do Concelho e o Bairro por um Administrador do Bairro (todos pertencem à carreira da magistratura). Nos Distritos, passa a haver um Tribunal Administrativo, e nos Concelhos, uma Câmara Municipal. 

Verifica-se uma nova reforma em 1870 (Decreto de 21 de julho de 1870). O objetivo é o de aumentar e dar mais poder aos corpos administrativos, ficando estes, desta forma, com mais autonomia, deixando de estar dependentes do poder central do Estado, atribuindo também poderes tributários para poderem gerir as despesas locais e descentralizando para as localidades muitos serviços e encargos que “pesavam sobre o governo do Estado”. As Juntas de Paróquia voltam a fazer parte da organização administrativa.

Em 1878, o Código Administrativo sofre uma nova organização (Carta de Lei de 6 de maio de 1878). As disposições tendentes à descentralização voltam a estar presentes neste código. Estabelece como corpos administrativos as Juntas de Paróquia, as Câmaras Municipais e as Juntas Gerais do Distrito, que adquirem novo estatuto.

É eliminado o Concelho Municipal, mas restabelece-se o Conselho de Distrito. Institui que os corpos administrativos distritais, municipais e paróquias são eleitos diretamente pelos cidadãos.

Por Decreto de 17 de julho de 1886, o Código Administrativo volta a ter um carácter centralizador, reduzindo desta forma o desejo descentralizador que havia sido introduzido pelo Código Administrativo de 1878.

Em  2  de março de 1895, um novo código é promulgado, com o objetivo de remodelar a constituição e organização dos municípios e de repor as juntas das paróquias, que tinham sido extintas por Decreto de 6 de agosto de 1892.

ABOLIÇÃO DA PENA DE MORTE

A pena de morte foi abolida em Portugal para todos os crimes em 1867 (Lei de julho de 1867), exceto os crimes por traição durante a guerra. A proposta partiu do Ministro da Justiça, Augusto César Barjona de Freitas, à Câmara dos Pares.
A proposta foi aprovada, mas só 3 anos depois seria abolida, para os crimes civis, nas províncias ultramarinas (9 de junho de 1870).

Barjona de Freitas

Barjona de Freitas

Ocupará a pasta da justiça por 4 vezes: (1) de 4 de setembro de 1865 a 4 de janeiro de 1868; (2) de 13 de setembro de 1871 a 9 de novembro de 1876; (3) de 29 de janeiro a 16 de novembro de 1878; e (4) de 4 de fevereiro a 19 de novembro de 1885.
Responsável pela proposta de abolição da pena de morte em Portugal e pela aprovação do Código Civil de 1867 e do Código de Processo Civil de 1876.

Barjona de Freitas

António Luís de Seabra e Sousa, 1º Visconde de Seabra
Ministro da Justiça durante um curto período em 1852.
Entre 1850 e 1865, dedicar-se-á à elaboração do primeiro Código Civil português, de que foi um dos principais autores. Este Código Civil foi frequentemente designado por Código Seabra, dada a importância da contribuição do visconde de Seabra para a sua criação.

Barjona de Freitas

Código Administrativo de 1836 (Ministério do Interior)

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