A codificação legística no Estado Democrático

A necessidade de uma adequação dos códigos ao regime democrático e aos princípios constitucionais conduz à constituição de comissões incumbidas de organizar os trabalhos de revisão dos Códigos Civil, de Processo Civil, Penal, de Processo Penal e Comercial, as quais, nas palavras do Ministro da Justiça, proferidas na tomada de posse de 10 de janeiro de 1977, são incumbidas da “árdua «empreitada» de normativizarmos o nosso quotidiano”.

Os resultados do trabalho destas comissões irão dar os seus frutos ao longo de várias décadas.

Código Civil e Código do Registo Civil

O Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47.344, de 25 de novembro de 1966, também seria objeto de alterações (duas em 1975, duas em 1976 e duas em 1977). Estas revisões vêm refletir no direito da família uma sociedade que emergia, fruto de uma revolução e de um derrube do estado ditatorial, de acordo com a nova Constituição, nomeadamente o princípio de igualdade, a emancipação e maioridade civil e a legitimidade dos filhos.

Seguiu-se, em 1978, o Código do Registo Civil, justificado pelo conjunto de alterações relevantes efetuadas no Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47.344, de 25 de novembro de 1966, nomeadamente as decorrentes do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, nos domínios do direito da família (casamento, divórcio, filiação, adoção e alimentos) e do direito sucessório (posição do cônjuge sobrevivo).

De referir que na atualidade mantém-se em vigor, na sua 81ª versão, o Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47.344, de 25 de novembro de 1966.

Código das Custas Judiciais

Com a alteração do Código de Processo Civil, pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, impunha-se, com urgência, a elaboração de um novo Código das Custas Judiciais (Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro), ampliado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro, e revogado pelo Regulamento das Custas Processuais, Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro. Uma das principais inovações do referido diploma foi a alteração dos conteúdos funcionais e as regras definidas, desde há algum tempo, para as custas judiciais, nomeadamente, em termos de relevância e sistematização, contendo regras objetivas e tabelas que servem para a contabilização dos custos de cada processo no sistema judicial, a suportar pelos respetivos intervenientes, enquanto utilizadores da justiça, evitando-se, deste modo, os inúmeros casos de incumprimento, que, por sua vez, dão lugar ao aumento das execuções por custas.

Código Penal

Em 1982 é aprovado um novo Código Penal (Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro), o qual vem a ser revisto em 1995 (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março). Como se refere no preâmbulo do referido diploma de 1982, o Código Penal então aprovado “(…) baseia-se fundamentalmente nos projectos elaborados em 1963 («Parte geral») e em 1966 («Parte especial»), da autoria de Eduardo Correia” e “(…) na necessidade de fazer uma adequação da legislação ordinária ao novo espírito legislativo resultante do 25 de Abril”.

O Código de 1982, considerado inovador, quebra uma tradição de orientação punitiva, com o reconhecimento de que o regime penal devia conter reações diferentes, assentes no princípio da culpa: “Um dos princípios basilares do diploma reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta”, como se refere na Introdução.

Código das Sociedades Comerciais

O Código das Sociedades Comerciais, aprovado em 1986 pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, vem responder à carência de reforma da legislação comercial portuguesa. Como é referido no preâmbulo do diploma, depois de abril de 1974, oscilara-se entre a reforma imediata e geral do direito das sociedades e uma reforma parcelar e sucessiva, para cujo começo foi quase sempre apontada a disciplina das sociedades por quotas. Seria decisivo para o diploma avançar o esforço de Raul Ventura para completar e refundir num projeto único e sistematizado as várias contribuições anteriores de notáveis comercialistas, como António Ferrer Correia. Pesava ainda a necessidade urgente de adaptar a legislação portuguesa às diretivas da CEE, a que Portugal aceitara ficar vinculado.

Este código vem corresponder ao objetivo fundamental de atualização do regime dos principais agentes económicos de direito privado – as sociedades comerciais – contrapondo-se ao Código Comercial de 1888, elaborado em plena revolução industrial, que assentava numa conceção individualista e liberal. Pretendia-se que refletisse a rica e variada experiência de quase um século, caracterizada por uma profunda revolução tecnológica e informática, reconhecendo-se o contributo insubstituível da iniciativa económica privada para o progresso, num contexto de concorrência no mercado, mas sem deixar de atender às exigências irrecusáveis da justiça social.

Código do Procedimento Administrativo

Em 1991, através do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, foi aprovado o Código do Procedimento Administrativo, o qual visou alcançar cinco objetivos:

a) Disciplinar a organização e o funcionamento da Administração Pública, procurando racionalizar a atividade dos serviços;
b) Regular a formação da vontade da Administração, por forma que sejam tomadas decisões justas, legais, úteis e oportunas;
c) Assegurar a informação dos interessados e a sua participação na formação das decisões que lhes digam diretamente respeito;
d) Salvaguardar em geral a transparência da ação administrativa e o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos;
e) Evitar a burocratização e aproximar os serviços públicos das populações.
Até aqui, apesar de uma lei do procedimento administrativo haver sido prometida por sucessivos governos desde o já longínquo ano de 1962, nem a Administração conhecia com rigor os seus deveres para com os particulares no decurso dos procedimentos administrativos por ela levados a cabo, nem os cidadãos sabiam com clareza quais os seus direitos perante a Administração Pública.

O código foi revisto pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de janeiro.

O novo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, vem destacar a simplificação administrativa, às novas exigências colocadas pela tramitação eletrónica do procedimento administrativo. O novo Código pretende ainda destacar os novos princípios gerais da atividade administrativa; o regime de invalidade do ato administrativo; o novo regime do regulamento administrativo; a revogação de atos constitutivos de direitos por razões de mérito e por alteração objetiva das circunstâncias; os atos precários e sua alteração; os procedimentos revisivos da reclamação e do recurso hierárquico; o princípio da colaboração leal com a União Europeia.

CÓDIGOS DA ÁREA REGISTRAL

Código do Registo Predial

O Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 305/83, de 29 de junho, pretendia implementar o registo predial em todo o território nacional, propondo, em consequência, alterações profundas no sistema praticamente mantido nas suas linhas fundamentais desde o Regulamento de 1898. Todavia, face às dificuldades práticas da sua execução, consagrava-se no artigo 2.º do diploma de aprovação a necessidade de publicação de uma portaria do Ministro da Justiça a fixar as condições de aplicação do Código. A estas dificuldades logo afloradas, outras se vieram juntar, acabando por se gerar um consenso de inexequibilidade da reforma, nos moldes estruturais e temporais em que fora concebida. Daí que, em lugar da anunciada portaria, se tivesse feito sentir a necessidade de publicar um novo código.

Assim, pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de julho, é publicado um novo Código do Registo Predial, que tem como escopo conseguir, na prática, o equilíbrio entre os meios disponíveis e os fins de implementação e simplificação do registo predial, como passo decisivo e indispensável de um futuro tratamento informático.

Código do Notariado

De entre as reformas legislativas de fundo a levar a cabo no âmbito dos registos e do notariado, revestiu-se da maior importância a reforma do Código do Notariado (Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto). No dizer do próprio diploma esta reforma consubstanciava-se na simplificação dos procedimentos inerentes à realização dos atos notariais e ao nível do formalismo exigido, na introdução de normas de maior rigor e transparência na prática notarial e, ainda, na racionalização do exercício da função notarial.

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