As reestruturações globais do Ministério da Justiça
Com a entrada no novo milénio, no segundo governo de António Guterres, é encetada a primeira reestruturação global do Ministério da Justiça no Estado Democrático, com António Costa como Ministro da Justiça. Destacam-se dois ímpetos reformistas, de natureza distinta, o PRACE – Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado e o PREMAC – Plano de Redução e Melhoria da Administração Central, já em contexto de grandes restrições.
Reestruturação de 2000
No final do século XX, marcado por uma estabilidade político-governativa, apoiada na prolongada duração dos mandatos dos ministros Laborinho Lúcio e Vera Jardim, o sistema de Justiça desenvolve áreas chave, como a execução de penas e a justiça de menores, a par de uma política de melhoria das condições de funcionamento das suas instituições, mas sem iniciativas fraturantes em termos orgânicos como no período anterior.
Como referido, a Constituição da República Portuguesa de 1976 operara uma rutura ao nível das competências constitucionais na definição e execução da política de Justiça e no modelo de administração do sistema de Justiça. A lei orgânica de 1972, além de desajustada, era incompatível com os níveis de eficácia, eficiência, racionalização e participação que se impunham à Administração Pública. Como resposta, o Ministério ia criando organismos de modo avulso. Em contraponto a estas alterações pontuais, impunha-se uma reforma estrutural do Ministério.
Todavia, no regime democrático, somente no ano 2000 o Ministério da Justiça receberia a sua primeira lei orgânica, no segundo governo de António Guterres, durante o mandato do ministro António Costa.
Sobrevém a Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça, como um serviço de inspeção e auditoria aos órgãos, serviços e organismos do Ministério, que tem como desígnio apreciar a legalidade dos atos e avaliar o desempenho e a gestão administrativa e financeira, competindo-lhe também a instauração de processos disciplinares e a apreciação das queixas, reclamações e denúncias.
Para acompanhar a exigência constitucional de reforço dos mecanismos de avaliação e responsabilidade no sistema de justiça, em articulação com a recente Inspeção, surge o Gabinete de Auditoria e Modernização, que irá funcionar até à sua extinção em 2005, altura em que é integrado no Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (Decreto-Lei n.º 4/2005, de 5 de janeiro).
O Gabinete de Política Legislativa e Planeamento recebe de herança as competências do Gabinete de Estudos e Planeamento fundado nos anos 80, fica responsável pela promoção da investigação jurídica, informação estatística do sector e preparação, acompanhamento e avaliação de políticas legislativas, bem como pelo enquadramento social e económico da política de justiça.
Para coordenar as relações externas e a política de cooperação na área da justiça, a Lei Orgânica de 2000 (Decreto-Lei n.º 146/2000, de 18 de julho) institui o Gabinete para as Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação.
Além das direções-gerais que se mantêm da antiga orgânica de 1972, é criada a Direção-Geral da Administração Extrajudicial com o objetivo de promover o acesso ao direito, apoiar a criação e o funcionamento de meios extrajudiciais de composição de conflitos e promover a criação e apoiar o funcionamento de tribunais arbitrais e de julgados de paz.
Esta nova lei orgânica contempla órgãos consultivos e serviços de apoio junto do ministro, conservando o Conselho de Dirigentes do Ministério da Justiça, presidido pelo ministro e constituído pelos dirigentes máximos dos organismos do Ministério da Justiça, sendo, também, criado o Conselho Consultivo da Justiça.
De novidade neste diploma, a existência de um serviço de consulta jurídica, a Auditoria Jurídica, na dependência direta do ministro, dirigido por um procurador-geral-adjunto, com competência para elaborar pareceres e informações jurídicas e para preparar a resposta dos membros do Governo nos recursos do contencioso administrativo.
Por fim, de salientar a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes, uma autoridade central à qual compete a instrução dos pedidos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes.
Esta Lei Orgânica do Ministério da Justiça constitui, assim, uma peça essencial da reforma da justiça, articulando-se necessariamente com os outros diplomas que compõem a administração do setor e as leis orgânicas dos próprios serviços e entidades do Ministério e, naturalmente, destes com a administração dos tribunais.
No ano seguinte, passados mais de 20 anos em democracia, e tendo por guia a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o direito internacional, o Estado assume a liberdade de consciência, de religião e de culto para todos, em conformidade com a Constituição. Assim, surge em 2001 a Comissão da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 22 de junho) órgão independente de consulta da Assembleia da República e do Governo. A Comissão tem como funções o estudo, a elaboração de pareceres e propostas em todas as matérias relacionadas com a aplicação da Lei da Liberdade Religiosa, com o desenvolvimento, melhoria e revisão da referida lei e, em geral, com o direito das religiões em Portugal.
Em 2003 é regulamentada a Lei de 1999 que visa a aplicação de medidas de proteção de testemunhas. Neste contexto, é criada a Comissão de Programas Especiais de Segurança (Decreto-Lei n.º 190/2003, de 22 de agosto) com a missão, no âmbito da proteção de testemunhas em processo penal, de estabelecer e assegurar a efetivação dos programas especiais de segurança previstos na lei.
Em 2004 são estabelecidos o estatuto do administrador da insolvência e a Comissão de Apreciação e Controlo da Atividade dos Administradores de Insolvência (art.º 12 da Lei n.º 32/2004, de 22 de julho). A comissão assume as competências de fiscalização das atividades de gestor e liquidatário judicial atribuídas às comissões distritais previstas no Decreto-Lei n.º 254/93, de 15 de julho. É responsável pela admissão na atividade de administrador da insolvência e pelo controlo do seu exercício.